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BOLETIM DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER 2024

Mulheres são mais de 100 milhões no Brasil e precisam de cuidados integrais para além da saúde ginecológica. O bem-estar delas deve abranger aspectos físicos, mentais, e sociais, que levem em conta as diversas fases da vida (por exemplo, idade reprodutiva ou menopausa) e que considere os desafios da vida familiar/pessoal e o do trabalho. Neste 8 de março de 2024, Dia Internacional da Mulher, o ELSA-Brasil destaca os principais resultados em 15 anos de estudo, sobre diferentes condições de saúde das mulheres.

O conflito trabalho-família e falta de tempo para o cuidado de si por conta de demandas familiares e do trabalho

e acabam sobrecarregando as mulheres, que ainda acumulam a maior parte do cuidado doméstico e familiar, além das demandas do trabalho. No ELSA-Brasil estudamos os efeitos da falta de equilíbrio entre as demandas do trabalho da família e da falta de tempo para o autocuidado e lazer por causa das dessas demandas, em diferentes desfechos de saúde. Os resultados mostraram de maneira consistente desvantagens mais pronunciadas entre as mulheres, sobretudo para aquelas que referiram a falta de tempo para o autocuidado e lazer.
As mulheres do ELSA-Brasil referem com mais frequência a existência do conflito trabalho-família (que ocorre quando esforços para atender as demandas do trabalho interferem na habilidade para responder às demandas da família) e também a falta de tempo para o autocuidado e lazer, quando comparadas aos homens. Estas mulheres em geral tiveram mais chances de referir pior autoavaliação de saúde, estilo de vida menos saudáveis, enxaqueca, tiveram maior ganho de peso e queixas de sono mais frequentes.
De acordo com dados coletados na linha de base do ELSA-Brasil (6.183 mulheres; 5.664 homens) foi investigada a relação entre a enxaqueca e indicadores de conflito na relação trabalho-família. Segundo dados publicados foi observada maior carga de doença (enxaqueca) na população feminina relacionadas a vários estressores tais como a interferência na tensão do trabalho com a família, assim como a interferência da família no trabalho e falta de tempo para cuidados pessoais e lazer. Altas demandas psicológicas de trabalho e baixo apoio social interagiram com a falta de tempo para os cuidados pessoais em associação com enxaqueca definitiva. Entre os homens, a enxaqueca foi associada apenas à falta de tempo para os cuidados pessoais. Equilibrar as exigências das esferas profissional, tarefas com a família e cuidado com o lar pode ser altamente relevante para gestão não só das cefaleias, mas para saúde integral das mulheres.
Nossos resultados apontam que a dificuldade no equilibrio vida pessoal e trabalho é fonte de estresse e pode influenciar o ranking das prioridades e também reduzir o tempo disponível para o próprio cuidado e o lazer, afetando a saúde e o bem-estar, especialmente entre as mulheres.

Gênero e comportamentos de saúde

Mulheres alcançam metas recomendadas de prática de atividade física com menor frequência que os homens. As mulheres da coorte ELSA-Brasil são mais comprometidas com estilos de vida mais saudáveis que os homens, na medida em que fumam menos, bebem menos excessivamente álcool, e consomem mais frutas e legumes. Apesar disso é menor o engajamento delas na prática da atividade física no lazer, podendo este fato estar relacionado com o menor tempo disponível no lazer para a prática de atividade física. Praticar no lazer ≥150 min/semana de atividade física de moderada ou vigorosa intensidade é altamente recomendável para a saúde. No ELSA-Brasil essa prática foi avaliada por meio de um acelerômetro usado na cintura abdominal por sete dias. Não cumprir essa meta ocorreu com maior (40%) frequência em mulheres, de todas as faixas etárias e grupos socioeconômicos. Mulheres com idade igual ou superior a 60 anos, de ascendência asiática e com maior escolaridade tinham maior chance de praticar atividade física no lazer. Isso indica que, para a maioria das mulheres do estudo, a atividade física no lazer é mais provável quando chegam a uma idade em que os filhos estão adultos e a carreira atinge estabilidade. O trabalho doméstico é desigual entre os sexos e compete com as atividades de lazer das mulheres mais que os homens. Este é um desafio adicional para as mulheres, especialmente aquelas com filhos pequenos, facilitando o seu regresso exclusivo aos seus papéis de donas de casa tradicionais e com reduzidas chances de prática de atividade física, especialmente as de menor escolaridade, reflexo da posição social. Considerando a importância da atividade física regular para a saúde é necessário que políticas públicas estimulem e facilitem a prática regular de atividade física em mulheres.
Quando feito um recorte em termos de orientação sexual, as mulheres heterossexuais são as que apresentam comportamentos de saúde mais saudáveis em termos de tabagismo, consumo de álcool, alimentação e sono, continuando mais prejudicadas ao nível da atividade física, quando comparadas com as mulheres em relações homoafetivas (e os homens). Adicionalmente, foi encontrada uma associação entre tabagismo e discriminação percebida ao longo da vida nas mulheres, principalmente, entre as com mais de 60 anos, de raça/cor da pele parda e de classe social mais elevada.

Percepção da autoimagem corporal

O perfil entre as mulheres que têm distorção para mais peso, ou seja, que se percebem mais pesadas, é de pessoas mais jovens, de raça/cor parda, com maior escolaridade e que não costumam fazer dieta. Mulheres que se percebem “mais pesadas”, sentem-se inseguras para praticar atividade física. Já entre as que distorcem para menos peso, estão as mulheres mais velhas, de raça/cor preta, com menor escolaridade e que costumam fazer dieta. Um estudo comparativo entre o Brasil e Portugal, mostrou que a probabilidade de as brasileiras (do ELSA-Brasil) se perceberem como mais pesadas era maior se tivessem tido câncer, enquanto as portuguesas tinham menos probabilidade de se percepcionarem como mais pesadas quando tinham menos escolaridade. A percepção de que são mais magras do que realmente são, foi associada a uma pior autopercepção do seu próprio estado de saúde nas mulheres brasileiras e a uma menor escolaridade tanto nas mulheres brasileiras como nas portuguesas.

Excesso de peso

As mulheres negras eram mais propensas a serem mais pesadas, enquanto as mulheres brancas eram mais propensas a ser mais magras. O peso das mulheres foi maior quando pertenciam a uma posição social mais baixa (OR = 1,52; IC95%: 1,36-1,70), enquanto nos homens o peso diminuiu à medida que a posição social também era menor (OR = 0,87; IC95%: 0,76-0,99). A posição social afetou de forma diferente o estado antropométrico de mulheres e homens, sendo os padrões corporais também afetados pela raça/cor da pele.
Com o evento da pandemia de COVID-19 houve maior adesão pelo sexo feminino às medidas de prevenção recomendadas durante a pandemia de COVID-19 e foi possível perceber que as mulheres que mais aderiram ao “ficar em casa” foram as que também tinham um estilo de vida mais saudável, além de serem mais velhas e com mais escolaridade.
Os resultados de todos estes estudos contribuem para uma melhor compreensão da influência do estilo de vida e dos comportamentos de saúde na saúde e no bem-estar das mulheres brasileiras, podendo levar à implementação de políticas de promoção da saúde mais eficazes e realistas.

Dieta elevada em sal é mais prejudicial para as mulheres

A hipertensão arterial é uma das doenças mais comuns em adultos, sendo responsável direta por um grande número de mortes por derrame, infarto e outros eventos. Cerca de 25% dos adultos brasileiros sofrem com a doença (Pesquisa Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, 2013) que se torna mais frequente entre as mulheres a partir da menopausa. Dietas mais saudáveis (baixo consumo de alimentos industrializados e alto consumo de verduras e frutas) contribuem para reduzir a pressão, facilitar o tratamento de hipertensos e reduzir o número de mortes por doenças cardiovasculares. Uma dieta de qualidade ruim (alta em sódio e baixa em potássio) facilita o desenvolvimento de hipertensão e dificulta o seu tratamento. A análise da urina de 6.749 mulheres e 5.870 homens mostrou que os homens consomem mais sal do que mulheres (12,9 g/dia e 9,3 g/dia, respectivamente). Quando esse consumo é corrigido para o peso corporal, a diferença fica menor (160 mg/kg e 140 mg/kg, respectivamente). Outro dado importante, é que a pressão na mulher é mais sensível ao sal, ou seja, a dieta de alto sal (>5 g/dia) é mais prejudicial para as mulheres. Também a qualidade da dieta (dada pela relação sódio/potássio na urina) é ruim tanto em homens como em mulheres.

Câncer de mama

Cerca de 1,6% das mulheres com idade entre 35 e 74 anos referiram ter tido diagnóstico de Câncer de Mama; 23,5% das mulheres não tiveram filhos e 17,9% tiveram filhos após os 30 anos. Ao contrário do que recomenda o Ministério da Saúde, de que mulheres assintomáticas entre 50 a 69 anos realizem mamografia a cada dois anos, em ampla maioria do conjunto das mulheres do ELSA-Brasil na Bahia, a última mamografia foi realizada com menos de 2 anos de intervalo do exame anterior, proporção que aumenta com a escolaridade: de 60,2% entre as que têm ensino fundamental a 82,4% entre aquelas com nível superior. Também contrariando as recomendações, a idade mediana da primeira mamografia ficou entre 40-49 anos, faixa em que 44,1% das mulheres fez o exame pela primeira vez. Esta distribuição não variou com a escolaridade, a situação conjugal e a raça /cor da pele. Um estilo de vida saudável se associou a uma periodicidade de rastreio mamográfico dentro do recomendado. Nota-se um padrão de intenso uso de serviços médicos, com história de cirurgia plástica mamária em 7,1% do total, proporção que aumenta com a escolaridade (1,2% a 11,6%) e foi maior entre aquelas com união conjugal atual ou prévia.
Estudando participantes do ELSA-Brasil e mulheres assistidas pelo SUS, mostrou-se que, em comparação às brancas, mulheres autorreferidas pretas tinham mamas mais densas à mamografia, que é um fator de risco reconhecido para o câncer de mama. As disparidades socioeconômicas e reprodutivas entre mulheres pretas e brancas foram responsáveis por essas diferenças raciais na densidade mamográfica. Nesta mesma população de estudo, verificou-se maior densidade mamária à mamografia mulheres entre 50 e 59 anos, quando comparadas a mulheres entre 60 e 69 anos, assim como mulheres com mais magras, as
que tiveram menos de dois filhos ou nenhum, amamentaram menos meses, faziam uso atual de terapia hormonal da menopausa e consumiam bebidas alcoólicas.

Escaneie o QR code ao lado e veja o documentário: “Para enfrentar o câncer de mama: MULHERES pesquisam desigualdades entre MULHERES”. Ou acesse: https://youtu.be/lWvPN_-eUBc?si=9VIK9ax-XvFljPDA

Terapia de reposição hormonal na menopausa

Entre todas as mulheres estudadas com menopausa natural, 30,8% usaram terapia hormonal da menopausa (THM) no passado. A maioria delas com idade atual >= 60 anos, sobretudo brancas, mas também pardas, com plano de saúde privado e não obesas. 11,1% das mulheres estavam em uso da THM no início do estudo. A maioria delas com idade à época >= 60 anos, casadas, separadas ou divorciadas, com nível de escolaridade superior ou pós-graduadas, com plano de saúde privado, não obesas e sem contraindicação para o uso de TH. Entre as mulheres com idade ≥ 60 anos em uso atual de TH, 73,6% tinham mais de 10 anos de menopausa e mais de 5 anos de uso de TH, padrão que contraria as recomendações baseadas em evidências científicas à época. Atualmente, a recomendação do tempo total de uso da THM tem sido mais flexível e deve ser estudado caso a caso. Entre mulheres com idade ≥ 60 anos, 15,2% em uso atual, 15,2% apresentavam pelo menos uma contraindicação formal para a THM.
Este padrão contraria as recomendações baseadas em evidências científicas à época, que persistem até os dias de hoje, com a exceção da duração do uso, sendo este mais flexível em recomendações mais recentes, compatível com os objetivos da indicação.

THM e Hipertensão

Do total de 2138 mulheres normotensas ou com hipertensão após a menopausa, 1.492 (69,8%) nunca tinham usado a THM, 457 (21,4%) tinham usado no passado, e 189 (8,8%) estavam em uso atual. O uso de THM foi mais comum em mulheres que tinham índice de massa corporal <25 kg/m2 e níveis de triglicérides <150 mg/dl, que eram fisicamente menos inativas, não fumantes e não diabéticas. Mulheres em uso da THM apresentaram menores chances de ter hipertensão (OR=0,59; IC 95%: 0,41-0,85), em comparação com as que nunca a usaram. Na maioria dos casos, a THM foi iniciada com idade até 59 anos, com menos de 10 anos de menopausa e o uso durou até cinco anos.

Escaneie o QR code ao lado para acessar o Boletim “Saúde e Câncer de Mama” com resultados de um estudo suplementar ao ELSA-Brasil que incluem a caracterização do perfil e trajetórias das mulheres que realizaram mamografias de rastreamento na Bahia, registradas no Sistema de Informação do Câncer (SISCAN). Ou acesse: https://drive.google.com/file/d/1JVEOwHQYX5XL_sNaDCrEXVthA1AaDnJ-/view?usp=drive_link

Síndrome de ovários policísticos (SOP)

A SOP é uma endocrinopatia comum em mulheres em idade reprodutiva. Mulheres com SOP costumam apresentar questões como irregularidade na ovulação, aumento dos níveis de hormônios masculinos e ovários com aspecto policístico. No Brasil, a única avaliação disponível em nível nacional da frequência da SOP foi calculada em 8,5% das mulheres assistidas pela rede de atenção primária em Salvador, Bahia. Em estudo populacional
pudemos verificar que a prevalência da síndrome dos ovários policísticos (SOP) em Salvador, Bahia, era de 8,5%, sendo até o momento o único estudo nacional a determinar a prevalência desta síndrome. No ELSA-Brasil foi validado o primeiro questionário curto e autoadministrado para identificar o hirsutismo, que é o excesso de pelos corporais em mulheres, decorrente do aumento dos níveis de hormônio masculino, um dos aspectos a serem avaliados no diagnóstico da SOP. Foram também sugeridos critérios para a identificação da SOP em mulheres já menopausadas. Este questionário validado foi utilizado num estudo que propôs um conjunto de critérios plausíveis para identificar mulheres com SOP na pós-menopausa, momento em que se torna importante esse diagnóstico para a identificação de grupo de risco para diabetes e doenças cardiovasculares. As mulheres selecionadas de acordo com esses critérios apresentavam características da SOP, não apenas dentro do esperado, mas também amplamente associadas a esse transtorno.

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